Nos últimos anos, a China intensificou
sua repressão contra dissidentes políticos, críticos do regime comunista e até
mesmo religiosos.
O regime chinês tem colocado
em prática também um purgo dentro do próprio Partido Comunista da China (PCCh),
onde o ditador Xi Jinping tem fortalecido cada vez mais o seu poder.
A perseguição contra
dissidentes e críticos, no entanto, não ocorre somente dentro das fronteiras do
país asiático. O regime de Xi tem recorrido também a métodos clandestinos para
manter os seus opositores sob controle no exterior.
Segundo a especialista em
segurança Vanda Felbab-Brown, a China tem contado com a colaboração dos cartéis
mexicanos para silenciar e coletar informações de dissidentes que residem fora
do país.
Conforme explicou Felbab-Brown em uma audiência do subcomitê de Segurança Nacional do Congresso dos EUA, as ligações entre as organizações criminosas mexicanas e grupos chineses influentes se tornaram cada vez mais próximas e significativas nos últimos anos.
Felbab-Brown explica que as
negociações entre grupos influentes dentro da política do gigante asiático e os
cartéis mexicanos têm ocorrido por meio de empresas de fachada e pelo tráfico
de fentanil.
Essas negociações também recebem
o apoio de grupos criminosos chineses, que muitas vezes contam com a anuência do
regime comunista, para acertar com os cartéis mexicanos serviços que visam
facilitar negócios chineses no exterior, como a construção de redes de
influência política para a China em território estrangeiro e a coleta informal
de informações dos opositores e dissidentes políticos que estão exilados.
Segundo a Administração de
Repressão às Drogas dos EUA (DEA, na sigla em inglês), China e México são
atualmente as principais fontes do fentanil que é traficado diretamente para os
EUA por meio dos cartéis do Sinaloa e Jalisco Nova Geração.
Por causa disso, autoridades
dos Estados Unidos anunciaram
nesta terça-feira (3) acusações e sanções contra empresas e 12 executivos
chineses, alegando o envolvimento deles no fornecimento de produtos
químicos utilizados pelos cartéis mexicanos na produção de fentanil.
As medidas foram apresentadas pelo
Departamento de Justiça dos EUA, em meio à crise de opioides do país. As
sanções e acusações visam dezenas de empresas e indivíduos chineses, acusados
de participar do comércio ilegal da droga altamente viciante.
O procurador-geral dos EUA,
Merrick Garland, afirmou que as autoridades norte-americanas têm conhecimento
da cadeia de abastecimento global de fentanil, apontando empresas químicas na
China como ponto de partida dos insumos para a fabricação da droga.
As sanções atingem empresas e
executivos chineses envolvidos na publicidade, fabricação e distribuição de
precursores químicos de opiáceos sintéticos da China. Tais medidas são
consideradas como o mais recente esforço dos EUA para tentar conter a crise de
overdose por fentanil no país, que é descrita como a mais mortal da história
americana.
A situação reflete a
complexidade das relações internacionais no combate ao tráfico de substâncias
ilícitas e destaca os esforços dos EUA para responsabilizar os envolvidos na
cadeia de produção e distribuição do fentanil.
A resposta da China às
acusações norte-americanas foi de forte condenação. O porta-voz da embaixada
chinesa em Washington, Liu Pengyu, afirmou que o regime chinês mantém uma
posição firme no combate às drogas e acusou os EUA de “fazerem de bode
expiatório” a China, minando a “cooperação antidrogas que existe entre os
dois países”.
Outros métodos
Os métodos chineses de
perseguição a dissidentes vão além dos serviços prestados pelos cartéis
mexicanos. Segundo informações do cartunista e ativista chinês Badiucao, os
chineses também utilizam perfis falsos para vigiar e coletar informações de
dissidentes que vivem no exterior.
Em março deste ano Badiucao
revelou que autoridades chinesas estavam se passando por jornalistas da Agência
Reuters para conseguir ter acesso a opositores do regime chinês que
participaram das manifestações a favor da democracia em Hong Kong.
Os espiões chineses assumiram
as identidades das jornalistas Brenda Goh e Jessie Pang, e utilizavam o
aplicativo de mensagens Telegram e a rede social Instagram para se comunicar e
coletar informações dos dissidentes alvos da perseguição do regime de Xi Jinping.
Segundo Badiucao, ele e outros
indivíduos próximos receberam mensagens em suas redes sociais de contas que
afirmavam pertencer a Jessie Pang, correspondente da Reuters em Hong Kong,
solicitando informações sobre o Citizens Daily, veículo virtual amplamente utilizado
pelos manifestantes de Hong Kong.
Para dar credibilidade ao
esquema, o perfil falso de Jessie Pang, por exemplo, compartilhava informações
sobre a formação da jornalista, publicações recentes e até mesmo a foto de sua
credencial, a qual já havia expirado, conforme informações de Badiucao.
A descoberta da farsa ocorreu
quando o cartunista pediu para que a suposta jornalista realizasse alguma forma
de verificação através de sua conta oficial no Twitter, solicitação que foi
negada pelo espião no comando do perfil com a justificativa de que o mesmo era “administrado
pela Reuters”. Um procedimento semelhante foi realizado com a jornalista Brenda
Goh para poder confirmar a suspeita. O regime chinês nunca comentou o caso.
Em 2022, o Departamento de
Justiça dos EUA indiciou um ex-agente do país e um outro homem que ainda fazia
parte do Departamento de Segurança Interna americano por seus envolvimentos em
um complô do regime chinês para silenciar críticos da China que estavam
exilados em território americano.
Segundo as autoridades, os
agentes estavam colaborando em um esquema de “repressão transnacional”, “visando
intimidar, desacreditar e espionar” residentes chineses e norte-americanos que
exerciam sua liberdade de expressão para criticar o regime de Xi Jinping.
As vítimas desse esquema
abrangem desde um escultor chinês que vive atualmente na Califórnia até um
veterano sino-americano do Exército que concorria a um cargo no Congresso por
Nova York. Essa foi a primeira vez que a China teria recrutado agentes federais
dos EUA para apoiar seus esforços de repressão contra dissidentes que vivem
fora do país, sinalizando uma audácia crescente de Pequim em interferir nos
assuntos internos de outros países.
O termo “repressão
transnacional” refere-se aos esforços de regimes autoritários, como o da China,
para atingir críticos além de suas fronteiras. Isso engloba desde assédio
online, como denunciado pelo cartunista Badiucao, intimidações e até agressões
físicas. Nos casos mais extremos, as perseguições terminam em assassinatos.
Segundo um relatório divulgado
em 2022 pela ONG Freedom House, de 2014 a 2021 foram documentados cerca de 735 casos
de repressão transnacional em todo o mundo, sendo a China responsável por mais
de 30% desses casos, o que qualifica o regime comunista chinês como o principal
perpetrador global de ações desse tipo.
De acordo com informações da Al Jazeera, no final de 2022, a ONG Safeguard Defenders, sediada na Espanha, expôs a existência de mais de 100 delegacias chinesas de polícia estabelecidas fora do país asiático.
Essas delegacias, conforme a ONG, estão dispersas por diversos países ao redor do mundo, operando em sua maioria de maneira clandestina e à margem do conhecimento público. A Safeguard Defenders destaca que tais instalações foram criadas com o claro propósito de perseguir dissidentes chineses, ativistas de Hong Kong, tibetanos e até mesmo os uigures.