A Associação Cultural Joana Gajuru está completando três décadas contando histórias nos palcos e nas ruas de Alagoas. E tem uma nova trama chegando. Seu novo espetáculo, “Carcomida”, dirigido por Waneska Pimentel, aborda temas como fome, desigualdade social e outras mazelas contemporâneas, sendo uma adaptação do texto original do sociólogo e dramaturgo Luís Sávio de Almeida (1942-2023). A apresentação será aberta ao público, neste sábado (26), às 17h, na Escola Técnica de Artes, no Centro de Maceió.
“Carcomida” narra a trajetória de uma família que suplica aos céus por ajuda, enquanto é devastada pela fome. O espetáculo foi inspirado na peça “Fome Come”, dirigida por Eris Maximiano e um dos grandes sucessos do grupo. Já Fome Come era inspirado no conto “Comeram o Bispo Dom Pero Fernão de Sardinha”, de Luís Sávio de Almeida. As duas experiências anteriores serviram de alicerce e reboco para erguer a nova obra.
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A história apresenta um casal que vive no campo com sua filha, Raimunda. Completamente pueril, Raimunda lida de forma distinta com a miséria que assola a família, sempre buscando entender a realidade em que está inserida. A atriz Letícia Costa, que interpreta a personagem, reflete sobre o papel de Raimunda na trama:
“Ela [Raimunda] questiona os pais sobre a situação em que vivem e, ao mesmo tempo, vemos como ela manifesta o sofrimento dos pais em si mesma. A peça explora como esse contexto afeta a personagem, através de sua perspectiva lúdica e inocente de criança. A relação entre ela e o tema é direta, e observamos ao longo da peça como a fome vai abalando seu psicológico”, comenta Letícia.
O pai, por sua vez, também vive um tormento psicológico. O ator Reginaldo Menezes interpreta essa figura paterna mergulhada no sofrimento.
“O pai é empregado de um latifundiário e não tem autorização para plantar e sustentar dignamente sua família. Ele se vê diante de uma escolha: aceitar essa condição ou lutar contra a opressão. Sem forças, é expulso da terra e vai em busca de uma vida melhor na cidade, apenas para encontrar mais fome, miséria e falta de moradia”, descreve Reginaldo.
Personagens tão complexos exigem atuações profundas e técnicas, como revelam Letícia e Reginaldo. Cada ator enfrentou desafios próprios durante o processo de construção das personagens.
“A construção de um personagem é sempre um processo de testes, de experimentação. É fazer, desfazer e ir buscando formas de atingir o material mais interessante. Raimunda é uma personagem cheia de camadas, com um texto poético e profundo, criado pela mente brilhante de Luís Sávio de Almeida”, explica Letícia. Reginaldo acrescenta: “O grande desafio foi entender o sentido de cada palavra, cada frase, cada pensamento do autor. O desejo era mergulhar no universo de dor e luta do texto e expressar isso de forma verdadeira”.
A adaptação do espetáculo também ficou a cargo de Waneska Pimentel. A diretora conduziu uma intensa pesquisa sobre a obra e sobre a história de Coruripe, local dos eventos narrados, enriquecendo a dramaturgia final.
“Adaptar a obra de Sávio de Almeida foi um processo meticuloso e respeitoso. ‘Comeram Dom Pero Fernão de Sardinha’ foi transformado em uma experiência teatral que resgata a essência antropofágica da narrativa original. A pesquisa sobre a história de Coruripe, junto ao lirismo poético de Sávio, deu à dramaturgia final uma mescla entre o cordel e o realismo fantástico”, revela Waneska.
Eris Maximiano e Luís Sávio de Almeida deixaram marcas profundas no teatro alagoano, com contribuições que continuam a inspirar e emocionar. Eris, um dos pilares do grupo Joana Gajuru, trouxe inovação e paixão à cenografia e iluminação de Alagoas, transformando cada palco em um espaço de magia e emoção, legado que continua vivo nas produções da companhia.
No elenco, Cadu Moura, Emerson Juan, Letícia Costa, Reginaldo Meneses, Sophia Molive e Victor Satti.
“Trazer essa dramaturgia à tona é, para nós do Joana Gajuru, um ato de amor”, diz a diretora Waneska Pimentel. “Tanto pelo legado artístico que carregamos quanto pelo público, que merece vivenciar essa riqueza e se sentir tocado por ela”, completa.
Waneska reforça a importância dos escritos de Sávio de Almeida para a sociedade contemporânea: “A obra de Luís Sávio de Almeida é um tesouro da nossa cultura. Resgatá-la para o público de hoje é uma forma de extrema gratidão e reverência ao que temos de mais autêntico em nossa dramaturgia. As dores e reflexões de outrora ainda ecoam surpreendentemente na sociedade atual”, reflete a diretora.
O ator, diretor, dramaturgo e professor de teatro Homero Cavalcante, um dos responsáveis pela primeira montagem do texto de Sávio, foi parte fundamental desse legado. Além de atuar em múltiplos papéis, incluindo o de anjo e bispo, ele também projetou o cenário e figurino da peça.
“Foi um momento muito interessante para mim, tanto como ator quanto como pessoa de teatro. O texto de Sávio facilitou o nosso trabalho, trazendo a realidade alagoana para o palco. Era uma época em que poucos textos alagoanos eram levados à cena”, comenta Homero.
Homero também elogia a adaptação da companhia Joana Gajuru, destacando a inclusão de elementos regionais e populares na encenação. “O que considero mais importante na escrita de Sávio é como ele insere os saberes e tradições da nossa cultura popular, tanto na linguagem escrita quanto na encenação. Ele retrata tipos populares, as falas do povo, tudo isso com uma forte preocupação social. A adaptação de ‘Carcomida’ preserva esses elementos de forma exemplar”, ressalta.
Outro aspecto que Homero aponta como essencial na obra é a personificação de alegorias como a fome, a morte e o diabo, figuras que assumem forma física e dialogam com a literatura de cordel.
A diretora Waneska também comenta sobre essa abordagem:
“Em ‘Carcomida’, personagens bíblicos como Cristo, o Anjo, a Morte e Satanás são reinterpretados sob a ótica do folclore regional e da linguagem popular. Essa fusão cria uma narrativa ao mesmo tempo arquetípica e profundamente enraizada na cultura alagoana”, explica a diretora.
Serviço:
O quê: Espetáculo ‘Carcomida’, do grupo Joana Gajuru
Quando: Sábado, 26 de outubro, às 17h
Onde: Local: ETA/UFAL – Escola Técnica de Artes, em frente à Praça Sinimbu, em Maceió
Duração: 1 hora
Classificação indicativa: Livre
Entrada gratuita