O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, voltou a fazer ameaças de aumento de tarifas de importação – e novamente incluiu o Brasil no grupo de ameaçados. Segundo Trump, países como Brasil, Índia e China “taxam demais” e “querem mal aos EUA”. Ele fez as acusações ao afirmar que é preciso taxar produtos estrangeiros para favorecer a produção doméstica norte-americana.
“Vamos impor tarifas sobre países e pessoas de fora que realmente nos fazem mal. Eles querem nos fazer mal, mas basicamente querem melhorar seu país”, disse Trump em discurso a republicanos na Flórida nesta segunda-feira (27). “Olhe o que os outros fazem. A China é uma grande criadora de tarifas, assim como a Índia, o Brasil e tantos outros países. E não vamos deixar que isso continue, porque vamos colocar a América em primeiro lugar, sempre colocar a América em primeiro lugar”, completou.
Em novembro, após a eleição, Trump também havia dito que Índia e Brasil “cobram muito” e falou em reciprocidade. “Se eles querem nos cobrar, tudo bem, mas vamos cobrar a mesma coisa”, disse em coletiva na ocasião.
As declarações desta segunda-feira ocorreram um dia depois de um impasse com a Colômbia, no qual Trump também anunciou a elevação de tarifas de importação – nesse caso, devido à resistência a receber deportados dos EUA.
O impasse momentâneo criado pelo presidente colombiano, Gustavo Petro, que se recusou a receber aviões com imigrantes ilegais deportados dos Estados Unidos, reacendeu o sinal de alerta para as altas tarifárias tão alardeadas pelo novo presidente norte-americano. A julgar por sua postura no caso das deportações, o Brasil também corre o risco de entrar na mira de Donald Trump e ser afetado por sobretaxas nos EUA.
E não só: nosso país está suscetível a sanções em razão de pelo menos outras três situações: o uso de moedas alternativas ao dólar em transações comerciais com países dos Brics, a cobrança de imposto mínimo de 15% sobre o lucro de multinacionais e o alegado uso do sistema judicial para perseguir opositores (leia mais abaixo).
Trump anunciou aumento de tarifas de importação em meio a crise de deportados
Trump anunciou no domingo (26) um aumento para 25% na tarifa de importação sobre produtos colombianos, a ser elevada a 50% após uma semana, em resposta à postura do mandatário colombiano em relação às deportações.
Petro retrucou na mesma moeda e ameaçou replicar as alíquotas aos produtos americanos, antes de ceder em entrar em acordo com os EUA sobre a deportação dos ilegais. O anúncio de entendimento veio na manhã desta segunda-feira (27), quando o governo dos EUA afirmou que não foi assinada a ordem para elevação tarifária. Ainda assim, o Banco Mundial avisou que o governo norte-americano revogou vistos de trabalho de colombianos.
Ocorre que, antes mesmo de Petro se arvorar contra o modus operandi das deportações, o Brasil já tinha protagonizado papel semelhante. No domingo (26), o governo de Luiz Inácio Lula da Silva, por meio do Ministério das Relações Exteriores, disse que solicitará esclarecimentos do governo americano por suposta violação do acordo de deportação entre ambos os países.
Segundo a chancelaria brasileira, os Estados Unidos violaram as regras ao enviar os imigrantes ilegais de volta ao Brasil algemados e acorrentados durante o voo, em situação “degradante”.
No entanto, somente nos dois primeiros anos da terceira gestão petista, a administração do ex-presidente Joe Biden enviou 32 voos com deportados. Os procedimentos para o transporte dessas pessoas são padrão e independem da gestão.
O governo americano ainda não respondeu ao pedido de esclarecimento da chancelaria brasileira, mas a resposta de Trump a Petro indica que o espaço para manobras pode ser escasso. E as consequências, se vierem, tendem a ser impactantes: os Estados Unidos são o segundo parceiro comercial do Brasil.
O encontro também visou acertar a conduta do país na reunião de emergência da Comunidade dos Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac), convocada por Petro para tratar do tema. O encontro será realizado na próxima quinta-feira (30), em Honduras, mas Lula não deve viajar para o país caribenho.
EUA são o 2.º parceiro comercial do Brasil; sobretaxa de Trump teria forte impacto
Uma eventual ampliação das tarifas dos EUA sobre o Brasil teria impactos negativos para ambos os países, avalia Arno Gleisner, diretor de Comércio Exterior da Câmara de Comércio, Indústria e Serviços do Brasil (Cisbra).
“Seria ruim para serviços, indústrias e principalmente os consumidores americanos”, disse. No entanto, Gleisner avalia que as medidas seriam ainda piores para os importadores brasileiros e seus clientes, caso o Brasil replicasse o aumento tarifário, bem como para os exportadores, que “contam com um grande mercado, no qual já participam e onde almejam crescer”.
O presidente do conselho de administração da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), Arthur Pimentel, ressalta que os Estados Unidos são um parceiro estratégico para o Brasil. “No fundo, apesar de algumas implicações políticas entre nações, o grande mote é o comércio. É o comércio que gira, que roda o mundo”.
Em 2024, as exportações do Brasil para os Estados Unidos chegaram ao recorde de US$ 40,3 bilhões, um aumento de 9,2% em relação a 2023. Os embarques para os EUA representam 12% do total exportado pelo Brasil no ano passado.
As importações dos EUA cresceram 6,9%, para US$ 40,6 bilhões, ou 15,5% das compras nacionais. A corrente de comércio, soma de tudo que foi negociado entre ambos os países, chegou a US$ 80,9 bilhões.
Como as exportações cresceram mais, o Brasil conseguiu reduzir seu déficit no comércio bilateral. O saldo ficou negativo em US$ 253 milhões, um quarto do registrado em 2023, de US$ 1,043 bilhão.
Esses números fazem dos Estados Unidos o segundo parceiro comercial do Brasil, o que torna ainda mais relevante a manutenção e fortalecimento do comércio entre ambas as nações.
No Brasil, indústria e agronegócio seriam prejudicados por tarifas de Trump
Caso os EUA imponham tarifas ao Brasil, tanto a indústria quanto o agronegócio podem ser afetados. Isso ocorre porque a pauta de exportação é ampla e abarca diversos setores, como indústria extrativa, agronegócio e indústria de transformação.
Em 2024, o produto mais exportado para os Estados Unidos foi petróleo e derivados, representando 14% das receitas de exportação totais. Em segundo lugar, estão os produtos semiacabados de aço e ferro, como lingotes, com 8,8%. Em seguida, vêm aeronaves e equipamentos, com 6,7%, e café não torrado, com 4,7% dos embarques.
Arthur Pimentel, da AEB, avalia que é preciso fazer adaptações estratégicas para que o mercado possa superar possíveis mudanças sensíveis, principalmente nos setores de aço e aviação.
“Será importante monitorar essas alterações para poder garantir competitividade no novo cenário internacional nos próximos quatro anos”, afirmou. Para tanto, será preciso inovar em estratégias de varejo, de logística e de distribuição, a fim de minimizar as ondas de aumento de custos.
Na visão de Arno Gleisner, da Cisbra, a eventual aplicação de novas tarifas chegaria em um momento que se desenhava positivo para o Brasil, já que os EUA estão buscando diversificar seus parceiros e reduzir a influência de países asiáticos entre seus fornecedores.
Para tanto, os EUA têm implementado a estratégia de nearshoring, a busca de fornecedores próximos, que tem potencial para beneficiar os produtores brasileiros. “A busca de fornecedores alternativos aos da Ásia passou a interessar aos importadores americanos, estando a Cisbra com um projeto robusto neste sentido”, diz Gleisner.
“Picanha” para os americanos já tem tarifas elevadas
Um dos produtos que teve maior crescimento nos embarques para os EUA, a carne bovina, contudo, pode não sentir as tarifas alardeadas. Isso porque, de acordo com a Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes (Abiec), os embarques de carne do Brasil já são taxados em 26,5% para entrar nos EUA.
O Brasil, juntamente com outros dez países, se beneficia de uma cota inicial não tarifada, de 65 mil toneladas. No entanto, a cota deste ano foi totalmente exaurida já na terceira semana de janeiro. Em 2024, mais de 70% da carne bovina exportada para os EUA tiveram a aplicação da tarifa.
Atualmente, os Estados Unidos são o segundo destino de exportação da carne brasileira, atrás da China. Do total exportado, o país de Trump representa cerca de 8,8% dos embarques. Ao todo, os EUA recebem 2,7% de toda a produção de carne do Brasil. Em 2024, eles compraram 229 mil toneladas, 65% mais que em 2023.
Por essa razão, a Abiec avalia que a “perspectiva é aumentar as vendas e não diminuir”. Isso ocorre até mesmo porque os EUA estão num ciclo pecuário restrito e, pelo menos nos próximos dois anos, vão demandar uma complementaridade no fornecimento.
Para tanto, precisam de parceiros que possam fornecer grandes quantidades a fim de suprir a demanda interna americana, com carne competitiva, com volume, constância no fornecimento, proximidade geográfica e preço. E esse parceiro, no entendimento da Abiec, é o Brasil.
Empresários e agro colombiano se uniram para solução “diplomática” da questão dos deportados
Na Colômbia, os empresários se reuniram para pressionar Petro por uma solução negociada, afirmando que a diplomacia exige moderação. O Conselho Gremial Nacional emitiu uma nota solicitando que o governo desfizesse a crise diplomática a fim de “evitar danos graves à economia nacional e ao comércio bilateral”.
A entidade congrega 15 mil empresas que respondem por 80% do PIB colombiano. “É essencial priorizar soluções que protejam a estabilidade econômica, o custo de vida, o emprego e o bem-estar dos cidadãos”, disse a organização em seu comunicado.
Os cafeicultores colombianos também se manifestaram. O presidente da Federação Nacional dos Cafeicultores, Germán Bahamón Jaramillo, por meio de suas redes sociais, apelou para uma “ação diplomática eficaz para evitar danos econômicos e sociais ao nosso país”.
Brasil pode entrar na mira das tarifas por outras questões além das deportações
A controvérsia dos deportados é mais uma das razões que o governo americano pode alegar para aumentar as tarifas sobre o Brasil. Na campanha, ele chegou a afirmar que taxaria em 100% os produtos e serviços dos países do Brics, caso assumissem uma moeda de troca própria em substituição ao dólar.
No primeiro dia de mandato, Trump ainda retirou os EUA do pacto tributário global assinado na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que prevê que os países apliquem uma alíquota mínima de 15% para multinacionais cujo lucro seja superior a US$ 788 milhões. O pacto também permite que os países apliquem impostos a empresas que operem em nações cujas alíquotas sejam inferiores à da taxa global.
O Brasil é um dos países signatários do pacto e já aprovou a tributação mínima de multinacionais. A legislação, proposta em outubro pelo governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), foi aprovada pelo Congresso e sancionada pelo presidente no penúltimo dia de 2024.
Segundo reportado pelo Wall Street Journal, a nova administração avalia impor sanções a países que pratiquem lawfare de esquerda. O termo designa a prática de usar o sistema judicial para perseguir adversários políticos – no caso, aqueles da direita.