Entre as tantas paixões de Nelson Rodrigues, uma delas tinha cores bem definidas: o preto e o branco. “O Botafogo é o único clube que resiste às fatalidades do tempo”, dizia o mestre, que enxergava nos jogos do Glorioso uma experiência para além do futebol. Ele via poesia, paixão, uma celebração da arte e da vida humana. De Garrincha, o anjo torto que desafiava as leis da física, a Nilton Santos, a enciclopédia em movimento, o Botafogo sempre foi para seus torcedores um símbolo da existência: cheia de altos e baixos, tragédias e resiliência.
Em 2024, o Botafogo reassumiu um protagonismo que parecia distante há quase três décadas. Campeão brasileiro após 29 anos, o Glorioso fez história ao também conquistar a Libertadores no mesmo ano. Um feito raro, que apenas o Santos de Pelé, em 1962 e 1963, e o Flamengo de Jorge Jesus, em 2019, haviam conseguido. Os 79 pontos na campanha do Brasileirão e a solidez na América do Sul são a marca de um time que resgatou a essência botafoguense: a luta, a magia e a capacidade de renascer.
A derrota para o Pachuca na Copa Intercontinental, porém, trouxe reflexões. Mais do que um tropeço em campo, o resultado expôs a precariedade do calendário brasileiro, que força clubes a enfrentar maratonas desumanas de jogos, sem descanso adequado. O peso dessa derrota recai muito mais sobre a CBF, incapaz de organizar uma agenda que proteja seus representantes em competições internacionais, do que sobre o Botafogo.
Ainda assim, essa queda não apaga os feitos do ano. Ao contrário, reforça a humanidade do futebol, onde até os gigantes tropeçam. O título brasileiro e a glória continental de 2024 devolvem ao Botafogo o respeito e o orgulho de sua história. Foram presentes que permitiram à torcida alvinegra gritar “é campeão” com convicção e emoção.
Se Nelson Rodrigues estivesse entre nós, certamente enxergaria no Engenhão o palco de um destino inevitável: o de ser eterno, glorioso e inapagável.