A reforma tributária recentemente aprovada pelo Congresso Nacional trouxe diversas mudanças para o sistema tributário brasileiro, incluindo a alíquota zero para carnes de boi, frango, porco e outras proteínas incluídas na cesta básica. Essa decisão gerou grande expectativa entre os consumidores: afinal, o churrasco pode realmente ficar mais barato?
Embora o texto ainda precise da sanção presidencial, a inclusão das carnes na cesta básica é um dos pontos mais comentados da reforma. No entanto, economistas apontam que a influência dessa medida no preço final é limitada, pois o valor da carne depende de vários fatores além dos impostos. Vamos entender melhor esse cenário.
Reforma tributária: a situação atual dos impostos sobre carne
Atualmente, as carnes já são isentas de tributação federal, como PIS, Cofins e IPI. O que impacta os preços é, principalmente, o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), que é um tributo estadual. A alíquota do ICMS varia entre os estados, sendo mais elevada em locais como São Paulo.
Com a reforma tributária, todos os impostos atuais serão substituídos pelo Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e pelo Imposto Seletivo (IS). As carnes incluídas na cesta básica terão alíquota zero, enquanto outros alimentos poderão ser tributados em até 26,5%.
A reforma tributária e o impacto no preço da carne
A tendência é que a isenção dos impostos reduzidos seja refletida no preço final ao consumidor. Contudo, isso não é garantido. Segundo especialistas, os empresários não são obrigados a repassar os descontos tributários para os consumidores. Em vez disso, podem optar por aumentar suas margens de lucro.
Bianca Xavier, professora de direito tributário na FGV-Rio, explica: “O repasse da isenção é uma decisão estratégica das empresas. Ainda que haja redução no custo, isso nem sempre resulta em preços mais baixos.”
Outro ponto relevante é que o impacto da isenção pode variar entre estados. Em São Paulo, por exemplo, onde o ICMS sobre carnes é de 11% nas vendas internas e 7% nas interestaduais, a medida pode resultar em uma redução maior dos preços. Já em estados com tributação mais baixa, o impacto tende a ser menor.
Fatores que realmente influenciam o preço da carne
O preço da carne no Brasil é influenciado por diversos fatores que vão além da tributação. Entre eles, destacam-se:
Oferta e demanda
A oferta reduzida de carne e a demanda elevada pressionam os preços. Períodos de seca ou queimadas comprometem os pastos, diminuindo a produção.
Ciclo de abates
O ciclo de produção de gado tem momentos de alta e baixa. Em fases de alta, os pecuaristas mantêm as fêmeas para reprodução, reduzindo a oferta de carne no mercado. Atualmente, o Brasil está em uma fase de alta do ciclo, o que contribui para os preços elevados.
Câmbio
O valor do dólar impacta diretamente o preço da carne, já que um cenário de câmbio elevado torna mais vantajoso exportar do que vender no mercado interno. Isso reduz a oferta de carne para consumo doméstico.
Eventos climáticos
Secas prolongadas e queimadas não apenas reduzem a produção de pasto, mas também elevam os custos de criação, afetando diretamente o preço da carne.
Possíveis cenários para o consumidor
Mesmo com a isenção de impostos, outros alimentos que não fazem parte da cesta básica, como camarão e alguns cortes premium, serão tributados em até 26,5%. Isso pode tornar a carne relativamente mais competitiva em termos de preço.
Fernando Henrique Iglesias, analista da consultoria Safras & Mercado, ressalta: “Caso as carnes não fossem incluídas na cesta básica, haveria um aumento significativo nos preços.”
Por outro lado, a elevação dos impostos sobre outros produtos pode equilibrar o impacto geral na cesta de compras. Ou seja, o poder de compra do consumidor pode permanecer semelhante ao atual.
Outro ponto de atenção é que a redução do preço das carnes pode ser vista como um alívio em um contexto de alta generalizada nos alimentos. Produtos fora da cesta básica sofrerão maior carga tributária, o que pode desviar o consumo para itens menos tributados.
Um processo gradual
A implementação completa da reforma tributária está prevista para 2033, após um período de transição que começa em 2026. Durante essa fase, as mudanças serão graduais, permitindo ajustes no mercado e nos hábitos de consumo.
Cícero Zanetti, pesquisador do FGV Agro, observa que é difícil prever o impacto de longo prazo. “Com tantos fatores envolvidos, a reforma pode não resultar em preços muito diferentes para o consumidor final, mas contribuirá para simplificar o sistema tributário como um todo.”
O churrasco vai ficar mais barato?
Embora a alíquota zero para carnes na cesta básica seja uma medida positiva, não há garantia de que o preço do churrasco vai cair significativamente. Diversos fatores externos, como o câmbio, condições climáticas e estratégias empresariais, continuarão influenciando o valor final.
O consumidor deve encarar a medida como um passo em direção a um sistema tributário mais justo, mas não como uma solução para os altos preços da carne. Portanto, a expectativa de um churrasco mais barato dependerá tanto do comportamento do mercado quanto da implementação eficaz da reforma tributária.