O termo “década perdida” causa calafrios no Japão, por designar um período de dificuldades econômicas (a década de 1990) que interrompeu sua trajetória de espetacular crescimento e deixou marcas profundas no país asiático.
Um relatório publicado este mês apontou que a China, hoje a segunda maior economia do mundo (a mesma posição que o Japão ocupava quando sua década perdida começou), corre o risco de mergulhar numa crise semelhante à que provocou a derrocada nipônica – ainda que cada caso tenha suas particularidades.
No documento, Stewart Paterson, pesquisador sênior da Fundação Hinrich, baseada na Singapura, apontou que o grande crescimento chinês nos últimos 50 anos teve três momentos: as primeiras mudanças para superar as desastrosas políticas econômicas de Mao Tsé-Tung, no final dos anos 1970 e nos anos 1980, depois da morte do ditador; o desenvolvimento industrial voltado para a exportação das décadas de 1990 e 2000; e o pós-crise econômica de 2008, que é baseado numa política de grandes investimentos cada vez mais orientada pelo Estado.
A linha atual tem conduzido a China para a crise, alertou Paterson. Ele destacou que a relação investimento/PIB da China tem sido extremamente alta em relação à média global já há cerca de 30 anos.
Em 2023, segundo o relatório, a formação bruta de capital fixo (investimento em bens de capital, como máquinas e equipamentos) da China totalizou US$ 7,5 trilhões, quase a soma de Estados Unidos, Japão e Alemanha no mesmo ano e o equivalente a 42% do PIB do país.
De acordo com Paterson, um nível altíssimo de investimento não é ruim por si só. “O problema é que a China está investindo mal. A produção por trabalhador na China é um quinto do nível dos Estados Unidos: a China está usando estoque de capital por trabalhador em 29% do nível dos Estados Unidos para produzir apenas 20% da produção americana por trabalhador”, escreveu o analista.
Paterson afirmou que, nos primeiros anos da virada pós-Mao, o investimento na China era eficiente. Desde a crise financeira, em 2008, porém, se deteriorou em termos de impacto e chegou a um nível que é pior do que o do período anterior ao início das reformas econômicas no país na década de 1990.
“Os retornos sobre os ativos subjacentes criados durante o auge deste período [a partir de 2008] estão caindo para níveis perigosamente próximos, e em muitos casos abaixo, dos retornos mínimos esperados das partes que financiaram os ativos. À medida que os retornos caem abaixo dos custos de empréstimo, o risco de uma crise financeira aumenta substancialmente”, destacou Paterson.
“Na ausência de uma melhora drástica na taxa de produção de capital incremental da China nos níveis atuais de investimento, o investimento precisa encolher. As exportações líquidas ou o consumo, ou ambos, precisam aumentar para compensar a redução do investimento”, apontou Paterson.
Os dados dos últimos anos indicam que a economia da China vem crescendo em patamares abaixo do pré-pandemia: em 2022, o PIB chinês cresceu apenas 3%; em 2023, o aumento foi de 5,2%, e no ano passado, de 5%.
Desde a década perdida, Japão perdeu duas posições no ranking do PIB
No Japão, embora o termo década perdida descreva os anos 1990, também se fala nos 20 ou 30 Anos Perdidos, porque o país nunca se recuperou totalmente.
No pós-guerra, o Japão impressionou o mundo com a força da sua indústria e seu crescimento econômico, mas no final da década de 1980, se deparou com uma bolha nos preços dos ativos, devido a cotas de crescimento de empréstimos impostas às instituições financeiras pelo banco central do país.
No início dos anos 1990, o Ministério das Finanças aumentou as taxas de juros, gerando uma crise de dívidas impagáveis e no mercado de ações.
Naquela década, o crescimento médio do PIB do Japão foi de apenas 0,5% ao ano, marasmo que se repetiu nos anos 2000. Em 2010, o país asiático perdeu para a China o posto de segunda maior economia do mundo. Daquele ano até 2019, o PIB do Japão cresceu em média apenas 1% ao ano.
Hoje, o país tão admirado no pós-guerra não é sequer a terceira economia do mundo, porque perdeu em 2023 esse posto para a Alemanha. A China teme um futuro semelhante, mas não parece disposta a fazer as mudanças necessárias para fugir dele.
Paterson afirmou que um pacote de estímulo de US$ 100 bilhões lançado pela ditadura comunista em 2024 causou euforia a princípio, mas logo ela se dissipou – porque o mercado entendeu que era apenas mais do mesmo.
“Já vimos isso antes, muitas vezes. A cada rodada, como nesta, a euforia dura cada vez menos, à medida que os mercados reavaliam as chances de sucesso das medidas políticas [chinesas]. A queda livre nos rendimentos dos títulos chineses em dezembro de 2024 foi interpretada como um sinal de que a economia está estagnada”, escreveu o especialista.