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Letalidade da Operação Contenção desprespeitam comunidades, dizem ONGs


A Operação Contenção, deflagrada nesta terça-feira (28) pelas polícias Civil e Militar do estado do Rio de Janeiro, soma mais de 120 mortos na capital fluminense. A Agência Brasil ouviu grupos de direitos humanos e organizações não governamentais que se debruçam há anos sobre o tema da segurança pública para analisar o método e os resultados da ação.

Para a diretora executiva do Instituto Sou da Paz, Carolina Ricardo, a operação reproduziu uma lógica que vem sendo empregada no Rio de Janeiro há muitos anos de que a principal forma de combater o crime organizado é por meio de operações violentas, que geram caos e levam a violência às comunidades, que já são por sua vez muito vulneráveis.

Para ela, esse modelo vitima moradores, afeta serviços públicos, põe em risco a vida de crianças, mas não atinge de fato o coração do crime organizado.

“Ainda que a liderança esteja presa, ela [a ação] gera enfim, um custo muito alto para aquela comunidade que já sofre diariamente com toda a falta de acesso aos direitos e aos serviços públicos.”

Segundo a pesquisadora, a operação também descumpriu a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 635, que é um conjunto de medidas que o Supremo Tribunal Federal (STF) colocou como indispensáveis para o planejamento e execução de políticas de segurança pública no estado, criticadas pelo governador Claudio Castro durante na terça-feira.

Carolina Ricardo criticou ainda falhas no planejamento das ações, com o deslocamento de policiais inexperientes junto do grupo que realizou a atuação ostensiva, que exigia um nível de complexidade maior, além de não garantir, pelo nível de violência que se viu nos corpos das vítimas, “nenhum respeito aos direitos básicos”. 

“Se a gente fosse um país sério, uma operação séria, a gente precisaria analisar cada caso de morte para entender qual foi a situação. Mas, olhando o todo, acho que dá para dizer que foi uma operação que viola, no mínimo, os preceitos da ADPF 635”, diz a porta-voz do Instituto Sou da Paz.

Faltou, para a analista, maior esforço para impedir a chegada de armamentos longos – como os que os criminosos usaram para combater os policiais – e para cercar e sufocar as facções atingindo sua fonte de recursos e os mecanismos que usam para lavar esse dinheiro. Para Carolina, apenas depois de enfraquecer esses grupos, é que se deve partir para ações ostensivas. “Mas isso demora e rende menos capital político”, completa.

A pesquisadora entende que esse tipo de operação obedece uma lógica e um cálculo político:

“Essa lógica de operação com alto nível de letalidade, infelizmente, é um modo de fazer política. Cláudio Castro tem usado isso recorrentemente. E isso, em alguma medida, infelizmente, reverte positivamente, porque parte da sociedade aceita e compra esses resultados como se eles fossem positivos”, conclui.

Foi uma lógica política semelhante às operações do governo paulista, embora com uma forma de atuar no território diferente, inclusive por conta da realidade do Rio ser muito distinta daquela da Baixada Santista.

Carolina conta que outro aspecto peculiar desta operação se viu na reação do crime organizado que surpreendeu a polícia, seja pelo tipo de armamento utilizado, seja pela extensão da resposta da facção, ambos indicativos, segundo a pesquisadora, de que o planejamento foi insuficiente. 

Desastre planejado

Para o pesquisador Luís Flávio Sapori, ligado ao Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), a percepção da opinião pública começa a se construir na direção de que os erros da operação não estão na quantidade de mortos, simplesmente. Ela é, claro, algo sem precedentes e sem justificativa, mas não algo que não estava em seu cálculo inicial.

“Esse modelo de atuação da polícia no Estado, tanto militar quanto civil, de enfrentamento direto, de troca de tiros, de fazer o enfrentamento ao crime organizado como uma guerra particular, com o objetivo de exterminar o suposto inimigo, é uma técnica, uma tática de enfrentamento. Isso é característico do Rio de Janeiro há décadas.” 

Sapori conta que esse modo de operação também é característico de sucessivos secretários de segurança, de comandantes de polícia, e governadores que passaram pelo Rio de Janeiro. Ele faz ainda uma relação entre a violência policial e a corrupção na corporação. 

“Cláudio Castro é mais um nessa linha de tempo de uma classe política que sempre deu essa diretriz clara às suas polícias. Isso explica porque, historicamente, a polícia do Rio sempre foi uma das mais violentas do Brasil, com um dos maiores grau de letalidade, e não é por acaso também uma das mais corruptas do Brasil. A polícia muito letal é também uma polícia muito corrupta, conforme os estudos científicos evidenciam no mundo inteiro.” 

Em uma situação em que o governador, que é a autoridade máxima para as polícias estaduais, autoriza esse tipo de ação ostensiva e violenta, ela passa a ser um recurso operacional, corriqueiro, legitimado e naturalizado, com um nível de vitimização absurdo.

“Mas isso não é só no Rio de Janeiro, outros governos estaduais no Brasil estão também no mesmo caminho: é o caso da Bahia”, alerta o pesquisador do FBSP. 

Como resultado temos a cena, forte e crua, de corpos enfileirados no chão, das dezenas de mortos na comunidade da Penha, o que para Sapori “é uma cena dantesca, é uma cena bárbara, quase que medieval”, e uma cena que deixa marcas na comunidade.
 


Rio de Janeiro (RJ), 29/10/2025 - Dezenas de corpos são trazidos por moradores para a Praça São Lucas, na Penha, zona norte do Rio de Janeiro. Operação Contenção.
Foto: Tomaz Silva /Agência Brasil

Praça São Lucas, na Penha, amanheceu nesta quarta-feira com dezenas de corpos enfileirados – Tomaz Silva/Agência Brasil

O pesquisador pondera que embora a violência tenha impacto em todo o país, nas comunidades esse impacto é cotidiano e aumenta o sentimento de insegurança nos moradores, que já enfrentavam a violência pela dominação da facção e que passam a perceber a polícia como uma alternativa não razoável.

“Ela se apresenta como uma alternativa de extermínio, de antagonismo com a comunidade, de desconfiança dos moradores.” 

O pesquisador questiona ainda a forma abrupta como a operação terminou e possíveis consequências: “A operação acabou, as polícias voltaram para suas bases. Significa o quê? Se o Comando Vermelho não tiver capacidade de retomar seu poder bélico e presencial com novos quadros, outras facções podem se apoderar desses territórios. Possivelmente o Terceiro Comando Puro ou mesmo milícias da Zona Oeste. ”

Para Sapori, esse vácuo já era esperado, embora não esteja claro o que o governo calcula que aconteça, ou como aconteça. Essa letalidade, aponta, não foi um erro.

“Foi planejada com o objetivo de matar, exterminar, traficantes do Comando Vermelho. Foi para isso que ela foi planejada. Ela não foi planejada para prender criminosos. Ela não foi planejada para cumprir mandados de prisão, como diz o governador. Ela não foi planejada e operacionalizada para prender as lideranças do Comando Vermelho. Foi para exterminar o máximo possível de membros do Comando Vermelho”, explica o analista.

E mesmo tendo feito o que para ele era seu objetivo, a operação não pode ser considerada um sucesso por nenhuma métrica que se use em políticas públicas. Para Sapori, o sucesso do enfrentamento ao crime organizado vem da capacidade de torná-lo mais frágil do ponto de vista financeiro, bélico e político, assim como de retomar o território onde ele domina.

Indícios de execução

A Agência Brasil ouviu também Glaucia Marinho, diretora-executiva da ONG Justiça Global. Ela esteve, nesta quarta-feira, nos complexos da Penha e do Alemão, onde ocorreram as operações, e conversou com as famílias. 

“Nós da Justiça Global acreditamos que a operação empreendida pelas polícias militar e civil na última terça-feira foi um massacre. É inadmissível que qualquer ação do Estado resulte em mortes ou situações de barbárie e tortura. A gente sempre lembra que não existe pena de morte no país e as denúncias dos moradores apontam para violações de direitos humanos de diversas ordens.” 

Glaucia chama a atenção para os reflexos da ação aos moradores tanto do complexo do Alemão quanto da Penha.

“Muitos não conseguiram sair de casa para trabalhar ou retornar do seu trabalho em situação de segurança. Você fica com um trauma e medo depois por passar um dia inteiro em uma situação de tiroteio e violência. Os moradores ainda foram obrigados a retirar, e eu digo obrigados porque isso era um papel do Estado, a recolher cerca de 70 corpos. A gente passou o dia inteiro lá e não houve perícia no local. As violações e ilegalidades elas continuam acontecendo”, relatou Marinho. 

Segundo ela parte dos mortos foram encontrados com braços e pernas amarrados, o que caracterizam que podem ter sido executados. A ONG tem denunciado de forma recorrente as políticas de segurança pública no estado como de orientação genocida e estruturalmente racista, pois “é pensada para controlar e punir pessoas pobres, moradores de favela, isso não pode acontecer”, denunciou a ativista.

OAB e Humans Rights Watch 

A Comissão de Direitos Humanos e Assistência Judiciária da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) do Rio de Janeiro “repudiou veementemente as ações policiais realizadas” pois, “embora se reconheça a necessidade da atuação firme, diligente e coordenada do Estado na preservação da ordem pública, (…) não se pode admitir que tais operações se desenvolvam de forma a colocar em risco a vida, a integridade e as liberdades fundamentais da população carioca e fluminense, como lamentavelmente se verificou, com restrições arbitrárias ao direito de circulação e ao livre exercício das atividades cotidianas”, diz nota.

A OAB fluminense pede ainda ao governo que permita o controle social e institucional das ações estatais, realizando as políticas de segurança dentro dos marcos do Estado Democrático de Direito, com respeito aos direitos fundamentais e à dignidade da pessoa humana.

A Comissão de Segurança Pública da OAB de São Paulo, por sua vez, criticou os ataques do governador Claudio Castro à ADPF 635 e afirmou ser imprescindível que as operações policiais sejam realizadas com observância aos preceitos constitucionais fundamentais, “sob risco de que elas se convertam em oportunidades para o arbítrio e para o uso indiscriminado da força”.

O órgão pediu ainda que se iniciem ações de investigação da operação, de maneira “rigorosa e independente”, assim como o governo estabeleça “uma revisão urgente” das estratégias de segurança pública adotadas no estado, “que devem sempre priorizar a proteção da vida e o respeito aos direitos humanos”.

Também em declaração pública o diretor da Human Rights Watch (HRW) no Brasil, César Muñoz, pediu a atuação direta do Ministério Público Estadual na investigação das mortes e na apuração do planejamento e das decisões do comando da polícia e das autoridades do Rio envolvidas. 

“A sucessão de operações letais que não resultam em maior segurança para a população, mas que na verdade causam insegurança, revela o fracasso das políticas do Rio de Janeiro”.

Para o HRW as políticas de segurança deveriam envolver as próprias comunidades e outros atores sociais e basear o trabalho da polícia em dados precisos sobre a atividade criminal, privilegiando a investigação e a inteligência e desarticulando o tráfico de armas, a lavagem de dinheiro e os vínculos entre grupos criminosos e agentes do Estado. 



Fonte: Agência Brasil

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